“Lá de onde eu venho”, explicou ele, “nós sempre fazemos uma reverência quando alguém faz uma pergunta fascinante”.
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Daí, numa voz bem alta e clara, ele disse algo que eu haveria de lembrar pelo resto da vida: “Uma resposta nunca merece uma reverência. Mesmo que seja inteligente e correta, nem assim você deve se curvar para ela.”
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“Quando você se inclina, você dá passsagem”, continuou Mika. “E a gente nunca deve dar passagem para uma resposta.”
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“A resposta é sempre um trecho do caminho que está atrás de você. Só uma pergunta pode apontar o caminho para a frente.”
(Jostein Gaarder em “Ei! Tem alguém aí?”)
Por que ao invés de responder perguntas nós não aprendemos a formular perguntas? Responder perguntas é muito fácil, mas quando nós sabemos formulá-las é que realmente aprendemos e progredimos.
A sociedade, baseada numa ordem que todos aceitamos, é acostumada a ter respostas prontas para tudo o que perguntamos. Quando conseguimos fazer uma pergunta que não é respondida com base nestas premissas é que evoluímos.
As perguntas são respondidas por causa da nossa necessidade básica de compreender o mundo afim de viver melhor. Porém, Sócrates foi um grande filósofo grego justamente porque ele fazia perguntas ao invés de tentar respondê-las. Tendo consciência de que nada sabemos é que somos considerados sábios.
As sociedade tenta nos responder as perguntas, afim de nos fazer compreender o mundo à sua maneira. Será que acreditando no que todos acreditam vivemos melhor? É claro que queremos compreender o mundo, mas acreditar no que a sociedade acredita não resolve problema algum! E como chegar às respostas? Não sei, mas primeiro precisamos abandonar a ordem e fazer as perguntas. Enquanto isso, pessoas diferentes inventarão ordens diferentes, baseadas em premissas diferentes, para nos convencer da explicação delas para o nosso mundo e a nossa vida.
É engraçado que todos nós, independente de crenças e religiões, vamos ler o texto abaixo e, baseando-nos em nossa ciência, rir das “ingênuas explicações de infortúnios que, para nós, têm causas evidentes” dos azande. Veja só:
Em princípio achei estranho viver entre os azande e ouvir suas ingênuas explicações de infortúnios que, para nós, têm causas evidentes. Depois de certo tempo aprendi a lógica do seu pensamento e passei a aplicar noções de feitiçaria de forma tão espontânea quanto eles mesmos, nas situações em que o conceito era relevante. Um menino bateu o pé num pequeno toco de madeira que estava em seu caminho – coisa que acontece freqüentemente na África -, e a ferida doía e incomodava. O corte era no dedão e era impossível mantê-lo limpo. Inflamou. Ele afirmou que bateu o dedo no toco por causa da feitiçaria. Como era meu hábito argumentar com os azande e criticar suas declarações, foi o que eu fiz. Disse ao garoto que ele batera o pé no toco de madeira porque ele havia sido descuidado, e que o toco não havia sido colocado no caminho por feitiçaria, pois ele ali crescera naturalmente. Ele concordou que a feitiçaria não era responsável pelo fato de o toco estar no seu caminho, mas acrescentou que ele tinha os seus olhos bem abertos para evitar tocos – como, na verdade, os azande fazem cuidadosamente – e que se ele não tivesse sido enfeitiçado ele teria visto o toco. Como argumento final para comprovar o seu ponto de vista ele acrescentou que cortes não demoram dias e dias para cicatrizar, mas que, ao contrário, cicatrizam rapidamente, pois esta é a natureza dos cortes. Por que, então, sua ferida teria inflamado e permanecido aberta se não houvesse feitiçaria atrás dela?
(E. E. Evans-Pritchard em “Witchcrafts, Oracles and Magic among the Azande”)
O fato é que, daqui a alguns anos, com certeza haverá gente rindo da nossa ignorância com uma nova filosofia baseada em outras premissas. Será que um dia saberemos “a verdade”? Não sei, mas não farei uma reverência para a sua resposta.