Mundo absurdo

Ver as estrelas? Quem se incomoda? Quem tem tempo? Quem sabe? Para ver é necessário saber… Aos poucos elas se vão do espaço, pela luz elétrica e pela fumaça. E o céu perdeu o encanto. Os deuses e anjos que lá moravam foram expulsos. O firmamento foi, assim, separado do nosso destino, a não ser para aqueles que ainda acreditam na astrologia… A ciência desencantou, tirou o encanto, a magia, a aura sagrada do universo.

Que distância entre nós e Galileu! Galileu foi levado à Inquisição por afirmar que os astros estavam arrumados de uma forma diferente da tradicionalmente acreditada. E isso fez com que almas tremessem, lá no fundo, porque a ordem do céu estava ligada ao sentido da vida. Hoje, pouco importa como girem os astros, pouco importa que haja buracos negros no universo e que a luz siga caminhos curvos ou retos. As maravilhas e os enigmas do universo nada têm a ver com os caminhos do homem. O firmamento deixou de falar. Dele não mais vêm nem os sinais dos deuses, nem os sinais para os namorados. Tudo ficou frio.

(Rubem Alves em “Filosofia da ciência: Introdução ao jogo e suas regras”)

Será a ciência dos céticos mais lógica que o senso comum? Faz mais sentido acreditar na ciência do que na religião? Por que um monte de teorias válidas até agora são consideradas “verdadeiras” se nem temos como comprová-las e se nem compreendemos como funcionam? E se a qualquer momento alguém pode aparecer e provar que não é verdadeira?

As respostas do cético são tão absurdas quanto as do religioso. Boas mesmo são as perguntas, que só o filósofo é capaz de fazer.

Ainda do Rubem Alves:

Religião, milagres, astrologia, magia: não são todos absurdos que as pessoas de senso comum freqüentemente aceitam?

O que é um absurdo? O mundo de cada um é sempre lógico do seu ponto de vista.

Imagine-se vivendo na Idade Média. A Terra está no centro do universo; nas profundezas está o inferno e o demônio (e seus vapores sulfurosos até escapam pelos vulcões); tudo está calmo, fixo e tranqüilo; lá em cima giram as estrelas fixadas numa esfera cristalina. Todos sabem que essa é a verdade, e a experiência cotidiana o confirma.

Aí um indivíduo diz que a Terra gira em torno de si mesma e em torno do Sol. Isso não é absurdo?

As marés acontecem porque a água é puxada pelo Sol e pela Lua. Mas como? Haverá cordinhas invisíveis? Dizer que é a força da gravitação não resolve, porque é o mesmo que dizer que uma coisa puxa outra sem fios materiais que as unam. Seja honesto: você entende como isso acontece? Se não entende, por que acredita?

Todo mundo sabe que a tendência de qualquer movimento é o repouso. Pêndulos param, bolas param, automóveis sem gasolina param. Mas o princípio da inércia diz que a tendência do movimento é continuar-se, indefinidamente. Isso não soa absurdo?

Anote isso: é a ciência e não o senso comum que parece ser o mais absurdo.

Maiêutica

“Lá de onde eu venho”, explicou ele, “nós sempre fazemos uma reverência quando alguém faz uma pergunta fascinante”.

[…]

Daí, numa voz bem alta e clara, ele disse algo que eu haveria de lembrar pelo resto da vida: “Uma resposta nunca merece uma reverência. Mesmo que seja inteligente e correta, nem assim você deve se curvar para ela.”

[…]

“Quando você se inclina, você dá passsagem”, continuou Mika. “E a gente nunca deve dar passagem para uma resposta.”

[…]

“A resposta é sempre um trecho do caminho que está atrás de você. Só uma pergunta pode apontar o caminho para a frente.”

(Jostein Gaarder em “Ei! Tem alguém aí?”)

Por que ao invés de responder perguntas nós não aprendemos a formular perguntas? Responder perguntas é muito fácil, mas quando nós sabemos formulá-las é que realmente aprendemos e progredimos.

A sociedade, baseada numa ordem que todos aceitamos, é acostumada a ter respostas prontas para tudo o que perguntamos. Quando conseguimos fazer uma pergunta que não é respondida com base nestas premissas é que evoluímos.

As perguntas são respondidas por causa da nossa necessidade básica de compreender o mundo afim de viver melhor. Porém, Sócrates foi um grande filósofo grego justamente porque ele fazia perguntas ao invés de tentar respondê-las. Tendo consciência de que nada sabemos é que somos considerados sábios.

As sociedade tenta nos responder as perguntas, afim de nos fazer compreender o mundo à sua maneira. Será que acreditando no que todos acreditam vivemos melhor? É claro que queremos compreender o mundo, mas acreditar no que a sociedade acredita não resolve problema algum! E como chegar às respostas? Não sei, mas primeiro precisamos abandonar a ordem e fazer as perguntas. Enquanto isso, pessoas diferentes inventarão ordens diferentes, baseadas em premissas diferentes, para nos convencer da explicação delas para o nosso mundo e a nossa vida.

É engraçado que todos nós, independente de crenças e religiões, vamos ler o texto abaixo e, baseando-nos em nossa ciência, rir das “ingênuas explicações de infortúnios que, para nós, têm causas evidentes” dos azande. Veja só:

Em princípio achei estranho viver entre os azande e ouvir suas ingênuas explicações de infortúnios que, para nós, têm causas evidentes. Depois de certo tempo aprendi a lógica do seu pensamento e passei a aplicar noções de feitiçaria de forma tão espontânea quanto eles mesmos, nas situações em que o conceito era relevante. Um menino bateu o pé num pequeno toco de madeira que estava em seu caminho – coisa que acontece freqüentemente na África -, e a ferida doía e incomodava. O corte era no dedão e era impossível mantê-lo limpo. Inflamou. Ele afirmou que bateu o dedo no toco por causa da feitiçaria. Como era meu hábito argumentar com os azande e criticar suas declarações, foi o que eu fiz. Disse ao garoto que ele batera o pé no toco de madeira porque ele havia sido descuidado, e que o toco não havia sido colocado no caminho por feitiçaria, pois ele ali crescera naturalmente. Ele concordou que a feitiçaria não era responsável pelo fato de o toco estar no seu caminho, mas acrescentou que ele tinha os seus olhos bem abertos para evitar tocos – como, na verdade, os azande fazem cuidadosamente – e que se ele não tivesse sido enfeitiçado ele teria visto o toco. Como argumento final para comprovar o seu ponto de vista ele acrescentou que cortes não demoram dias e dias para cicatrizar, mas que, ao contrário, cicatrizam rapidamente, pois esta é a natureza dos cortes. Por que, então, sua ferida teria inflamado e permanecido aberta se não houvesse feitiçaria atrás dela?

(E. E. Evans-Pritchard em “Witchcrafts, Oracles and Magic among the Azande”)

O fato é que, daqui a alguns anos, com certeza haverá gente rindo da nossa ignorância com uma nova filosofia baseada em outras premissas. Será que um dia saberemos “a verdade”? Não sei, mas não farei uma reverência para a sua resposta.

Blog pagão

Estou escrevendo para dizer que não vou mais manter este blog que vai contra os ensinamentos de Deus, agora que o pastor Kevin D. Deene me alertou para o perigoso problema dos blogs.

O pastor Kevin D. Denee, de uma igreja evangélica americana, alertou para o problema dos blogs, diários virtuais que vêm se popularizando ano a ano desde sua criação, e que, segundo ele, “vão contra os ensinamentos cristãos e contra Deus”.

“Blogar se tornou uma prática socialmente aceita – assim como namorar firme muito jovem, beber sendo menor de idade e outros males comportamentais”, escreveu em um artigo no Ambassador Youth, da Reformed Church of God (Igreja Reformada de Deus).

Eu não entendi direito ou o cara falou que escrever é como transar ou beber?

Para Denee, os blogs servem para fazer com que seus autores se sintam parte de um todo, como sua opinião fizesse diferença, mesmo quando são “tolices sem sentido”. “As pessoas agora fazem e dizem coisas que só deveriam ser feitas e ditas em particular, ou, francamente, não deveriam ser ditas ou feitas de jeito algum”, disparou.

Pior ainda são os religiosos que escrevem artigos sobre coisas que não sabem o que é.

Para o pastor, o problema é que “decência e decoro” não são elementos considerados em blogs, e os escritores simplesmente “desabafam sem considerar o conteúdo ou as conseqüências”.

Por exemplo, neste post eu estou desabafando sem antes consultar um advogado pra saber se isso que eu escrevo aqui pode me trazer uma conseqüência (por exemplo, será que a Igreja pode me chamar de herege e me torturar?). Realmente, o problema dos blogs é muito sério!

Mesmo dizendo que nem todos os blogs estão errados, já que muitos são usados para veicular assuntos profissionais e palavras de especialistas, Kevin desconsidera a justificativa de que os blogs sejam utilizados para fins terapêuticos, foco que vem sendo discutido e levado em consideração atualmente por especialistas, conforme noticiou o The Register.

O artigo do pastor se baseia em passagens bíblicas, como é o caso de “Provérbios 17:27-28”, que diz Quem retém as palavras possui o conhecimento, e o sereno de espírito é homem de inteligência. Até o estulto, quando se cala, é tido por sábio, e o que cerra os lábios, por sábio.

Concordo plenamente com o provérbio. Bom… Eu não possuo conhecimento… Mas um cara como você devia reter as palavras para ser tido como sábio, pastor.

O problema do vício em blogs foi atacado também, dizendo que alguns usuários ficam “literalmente viciados” ao ato de blogar, postar e enviar mensagens, a ponto de esquecer outras partes da vida. “Mesmo quando estas pessoas estão longe de seus computadores, elas enviam atualizações pelo celular”.

Nossa! Esse problema de vício é muito sério. Agora eu não sei o que é pior: drogas ou blogs! Será que existe algum B.A. (Blogueiros anônimos?)

O extenso artigo pode ser lido, em inglês, através do atalho snurl.com/yq51. Nele é apresentada a definição de que muitos dos blogs são ofensas à privacidade, demonstrações de vaidade e propagadores de palavras vazias, explicando que para os blogs não existem regras, o que vai contra Deus, já que Este possui regras. “Nem tudo está escrito na Bíblia, nós devemos tomar princípios e aplicá-los ao cenário geral”, comentou

Se escrever um post irônico sobre um pastor evangélico é ir contra Deus, considero-me culpado.


Leiam a notícia do Terra aqui e o artigo em inglês aqui. =)

© 2005–2020 Tiago Madeira