Greve na USP

Na verdade trata-se da narração do dia de hoje, cujo principal evento interessante para o público em geral é a greve na USP, contada informalmente por alguém que presenciou um ato e não tem lado muito bem definido (embora em algumas coisas concorde com um ou com outro). É importante ainda deixar claro de início que nem mesmo discutirei os motivos da greve aqui, porque quero evitar discussões pela internet (em geral há mais trollismo do que na vida real).

Enfim, acordei às 4:00 e não consegui mais dormir. Rafael ontem me recordou algo importante que Vinícius de Moraes disse em seu Testamento: que o tempo é curto e não para de passar.

Tomando a frase como mote para o dia, saí para caminhar no campus da USP, que tem estado lindo ensolarado. O plano era simples: conhecer coisas, conhecer pessoas, fazer algo aleatório, fazer algo diferente, tentar me tornar uma pessoa mais completa (i.e., desnerdiar, curiosamente no Dia do Orgulho Nerd). Devo deixar claro que não me falta coisa diferente para fazer se considerarmos trabalhar e estudar para uns 10 assuntos diferentes como coisas diferentes, mas sinto falta de coisas diferentes como o convívio social na UFSC.

Então, após uma rápida aula de Cálculo, saí vagando pelo campus. Visitei o prédio da FAU, da FEA, alguns da ECA (inclusive cheguei a tocar piano numa sala de estudo do departamento de música) e acabei na entrada do departamento de letras da FFLCH. Vi que havia cerca de 20-30 estudantes reunidos conversando na grama e, como quem não quer nada, me juntei a eles.

O que estava acontecendo era um debate sobre movimentos estudantis. Um grupo majoritário argumentava contra o UNE (e em especial o CONUNE) e incentivava o Congresso Nacional dos Estudantes, que é realizado por um novo movimento estudantil que se justifica pela burocratização e corrupção do primeiro.

Cerca de uma hora depois (ou talvez um pouco mais) de muitas opiniões e excelentes falas (preciso aprender a argumentar do jeito desse pessoal), o debate acabou e fiquei por ali pra ver o que acontecia. Uma garota simpática deve ter percebido que eu era de fora e perguntou o que eu tinha achado do debate.

Como se tratava de um debate sobre um assunto sobre o qual não tenho experiência alguma, disse que achei interessantes os argumentos e que estava ali justamente para ouvir coisas diferentes. Disse que me parece simpática a idéia de um movimento estudantil que substitua o UNE e o CONUNE, mas preciso saber muito mais antes de tomar partido.

Conheci mais algumas pessoas (que escreveram este documento) e fui com elas para o ato que estava tendo em frente a reitoria. Afinal, por que não? O dia estava sendo muito interessante até aqui.

Comi um espetinho (super gostoso, por apenas um real… e acompanha pão!) e conversamos sobre uma porção de coisas (na verdade eu mais ouvi, não sou de falar muito num grupo de pessoas que não me conhecem), principalmente sobre universidade e política. Impressionei-me com a riqueza das idéias e com a inteligência da discussão. Ouvi excelentes argumentos e aprendi bastante sobre os motivos da greve atual e sobre aquela greve de 2007. Descobri, pelos próprios participantes, o que é o DCE da USP.

Era cerca de 13:30 e várias pessoas (dentre funcionários, professores e alunos de USP, UNICAMP e UNESP) gritavam no autofalante. Havia tambores, faixas e pessoas pintadas. Hoje deveria acontecer uma reunião entre o CRUESP (Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas) e o Fórum das Seis (representantes de alunos, professores e funcionários de USP, UNICAMP e UNESP).

As pessoas que falavam no autofalante disseram que a reitoria não tinha permitido a entrada dos representantes e convidaram todos a ir para o outro lado da reitoria (a entrada) para pressionar a entrada.

Pelo que entendi, os funcionários da USP exigiam que Brandão (ex-diretor do sindicato que foi demitido no início desse ano, um dos motivos da greve) participasse como seu representante no Fórum das Seis, enquanto a reitoria não queria permitir. Além disso, a reitoria se negava a receber dois representantes dos alunos de cada universidade (por algum motivo ela só queria receber um, embora dos professores e funcionários ela aceitasse receber dois).

Houve uma negociação e a reunião pareceu ter sido cancelada por causa dessa divergência, o que foi extremamente revoltante para todos os presentes. Então a manifestação seguiu com gritos e cantos como “Sai Sueli [(reitora da USP)], entra Brandão!”, “Entra Brandão, senão ocupação!”. Foi baixando o nível para “Acabou o amor, isso aqui vai virar o inferno” e obviamente acabou com o uso de força. Estudantes e funcionários presentes arrombaram a porta usando a tampa de bueiros e invadiram a reitoria, fato agora pouco noticiado no UOL (não com tantos detalhes como os que eu escrevo). Presenciei um evento histórico. E há rumores que nesse momento a reitoria está ocupada, como em 2007. [update] Agora dizem que há tropas de choque na reitoria e estou ouvindo daqui helicópteros sobrevoando a USP. O negócio ficou feio MESMO. [/update]

Fato: a greve está tomando proporções maiores e se tornando mais perigosa. Mais funcionários estão aderindo, os outros campi estão aderindo, UNESP e UNICAMP estão aderindo. A invasão (e possível ocupação) da reitoria da USP é bem significativa. Há muitas coisas pelas quais os estudantes, professores e funcionários lutam (e em algumas delas eles tem razão, noutras é muito difícil se posicionar) nesse mês de maio e tenho impressão de que a Reitoria não dá muita importância (já passaram três semanas sem circular e sem bandejão e enquanto a greve estava fraca praticamente não houve discussão), o que faz mal para toda a população que visita a universidade.

Sobre a greve dos estudantes: Nesta semana estudantes de todos os institutos da USP estão fazendo assembléias que culminarão numa grande Assembléia Geral nessa quinta que decidirá pela greve ou não-greve (acredito que a decisão seja pela não-greve).

Sobre a greve dos professores: Também nesta semana (acho que amanhã) a ADUSP (Associação de Docentes da USP) decidirá se haverá ou não greve. Como não houve reunião hoje, é bem possível que ocorra. Porém, duvido que eu deixe de ter aulas, pois meus professores no IME já se manifestaram explicitamente contra a greve e contra a ADUSP.

Não é meu objetivo nesse post defender ou criticar a invasão da reitoria. Mas foi extremamente interessante participar desse evento, conhecer pessoas e ouvir excelentes discussões. Para mim, foi um ótimo dia. Desestressante, divertido. De certa forma (politicamente, ideologicamente, socialmente) um pouco pesado, que me deixou cheio de dúvidas e sem saber ao certo o que é certo (não que antes eu soubesse), mas precisamente o que eu precisava. Agora é hora de voltar a estudar… :)

Assaltos no entorno da USP

Sidney, estudante de geologia na USP, foi assaltado (e espancado) na semana passada numa das saídas de pedestre da USP e relatou sua história chocante em seu blog no Stoa. Vale muito a pena ler, inclusive os comentários onde se discute uma solução. O mais impressionante é o descaso da Guarda Universitária e da Polícia.

O último comentário até o momento (número 34) é sobre a entrada de pedestres que eu uso:

A coisa anda feia mesmo, hoje tentaram me assaltar praticamente na porta de casa. Isso porque moro a uns 20 metros de um portão de pedestres próximo ao da Vila Indiana (a portaria do mercadinho… nem todo mundo sabe onde fica) na Rua Francisco dos Santos. De uns meses para cá, os assaltos tem sido quase que diários.

Hoje tomei uma coronhada na boca e só não levaram as minhas coisas porque a rua estava cheia de testemunhas e um senhor ameaçou chamar a polícia. Realmente é preciso fazer alguma coisa, pois do jeito que está não pode ficar.

Apesar de saber que não surte muito efeito, peço para todos que foram atacados fazerem B.O.s, pois só assim ele podem mapear a área e verem que essa região está sendo muito visada.

O mês de abril

São incríveis nove dias de aula, dos quais três já passaram.

Calendário de abril

Legenda:

Os dias vermelhos são sábados, domingos ou feriados na USP. Os dias verdes passarei na Suécia competindo na final mundial do ACM ICPC. Os dias amarelos (como é de se esperar somando as cores em RGB) são feriados na USP que eu passarei em Estocolmo.

O dia em que passei na USP

Agora faz quase um mês. Do nada me veio na cabeça e lembrei que preciso registrar. Era 11 de março, quarta-feira. Floripa estava extremamente ensolarada e andar na rua me fazia suar.

O dia corria normalmente. Acordei cedo e fui para a UFSC, porque estava dando aulas de preparação para a OBI para os calouros todos os dias. Estava com muito sono, porque na terça dois amigos tinham vindo à minha casa comer um bife e acabei indo dormir tarde. Não lembro ao certo o que ensinei para os calouros, mas ainda estava no básico de C. Se eu não me engano, foi vetores.

Às 10:00 eu tive aula de H-Cálculo III. As aulas de H-Cálculo são as que mais sinto falta aqui na USP. Era um curso extremamente rigoroso, a ponto de provar todas as propriedades de limites, derivadas e integrais a partir de teoria dos conjuntos e de treze axiomas dos reais. A aula do dia era sobre o Teorema de Bolzano-Weierstrass em Rn\mathbb{R}^n.

Seja SRnS \subset \mathbb{R}^n um conjunto limitado contendo uma quantidade infinita de pontos. Então existe pelo menos um ponto de Rn\mathbb{R}^n que é ponto de acumulação de SS.

A idéia da prova não é muito complexa, mas a prova em si, rigorosa como o professor gostava, é grande. Três horas e cinco páginas de caderno depois, a aula acabou depois da demonstração do Teorema da Interseção de Cantor.

O problema das aulas de quarta do PAM era que perdíamos o horário de almoço. Nesta quarta em especial eu comi um pão de queijo e segui para a sala em que passava o dia na UFSC, a INE513. A INE513 é uma sala que nós [maratonistas] ganhamos com três máquinas (que conjecturo que sejam as mais antigas do departamento). Era um lugar pequeno, mas tinha ar condicionado e era muito bom para passar o tempo e estudar.

No térreo do INE encontrei dois amigos que também estavam indo estudar para a Maratona. Eles falavam com um gringo e eu entrei na conversa. O espanhol estava procurando um freelancer na área de desenvolvimento web para pôr em prática uma grande idéia que ele teve. Ele pediu para usar um computador para me mostrar o que ele queria e levei-o para a INE513. Lá ele explicou durante mais de uma hora o que ele queria e ao fim ficou com meu e-mail para entrar em contato.

Assim que ele foi embora (era por volta das 15:00), resolvi dar uma olhada no site da Fuvest para ver se algum conhecido tinha sido aprovado na quarta chamada.

Não cogitava a hipótese de eu ter sido aprovado, porque minha classificação na carreira de “Engenharia Politécnica e Computação” foi 1322 (enquanto o último colocado da quarta chamada do ano passado tinha ficado com classificação 1181).

Meu desempenho na Fuvest

Porém, para minha surpresa, meu nome estava na lista. Minha primeira frase foi:

“Vinícius, passei no IME!”

Ele não acreditou. Ninguém acreditaria. Nem eu acreditava. Meus planos pro primeiro semestre já estavam feitos lá na UFSC e minha grade de horários só tinha aulas boas: H-Cálculo III, H-Álgebra Linear III e Álgebra I.

Liguei para os meus pais e para a minha namorada. Mandei e-mails para os meus irmãos e para meus tios paulistanos que me abrigaram durante várias provas de vestibular e transferência nos dois anos anteriores.

Parei pra ler o manual da Fuvest, em especial a parte de matrículas. Descobri que deveria estar em São Paulo na sexta-feira, 13. Ou seja, deveria sair correndo.

Eufórico, perdi mais algum tempo com o manual e saí andando pela UFSC em busca dos documentos necessários. Por um ato falho, cheguei até a porta da aula de Álgebra, mas não cheguei a entrar.

Conseguir a desmatrícula na UFSC foi difícil. Eu devia um real para a biblioteca e só podia pagar através de uma Transferência para a Conta Única do Tesouro Nacional, i.e., deveria enfrentar a fila do caixa do Banco do Brasil. Na quarta não consegui mais nada, mas fiquei até umas 21:00 na INE513 conversando com meus colegas da UFSC Time Limit Exceeded.

No dia seguinte acordei cedo novamente e, após mais uma aula para calouros e a desmatrícula na UFSC, almocei com meus amigos na Pizza Hut. Logo depois do almoço “de despedida”, num sol de rachar, saí de casa com tudo que consegui e peguei um ônibus para Itajaí, de onde no mesmo dia partiria para São Paulo e para uma nova vida.

São Paulo - Consolação (crédito: Jefferson Breves/flickr)

Semana santa

Acordei às 06:30. Às terças eu tenho aula de Álgebra ás 08:00 e não queria perder essa, porque a professora ficou de corrigir minha nota. Peguei o circular às 07:35. Cheguei no IME às 07:45. Horário perfeito.

Porém, observei que as salas estavam fechadas e não havia alunos. Vi apenas seguranças, moças da limpeza e um ou outro professor. Perguntei para um segurança what the hell estava havendo. Ele informou que não tem aula na Semana Santa.

Jesus on the Cross (crédito: DNQA/Flickr)

Lembrei-me que tinha ouvido algo sobre a Semana Santa na semana passada, mas não dei muita atenção. Acho que meu cérebro ignorou porque não viu sentido em emendar uma semana inteira por causa de um feriado na sexta. Pensei que deveria ter ido mais nas aulas semana passada que algum professor teria avisado. Mas tudo bem. Porque notei que felizmente a biblioteca estava aberta, logo minha ida ao IME não teria sido em vão.

Havia reservado um livro que seria devolvido anteontem chamado Matching Theory (László Lovász, M. D. Plummer). É um livro fora de circulação, raríssimo e que, segundo consultas na internet, só existe em duas bibliotecas no Brasil: a do IME-USP e a do IMPA.

Eu estou procurando este livro desde o início de março, quando ainda estava em Floripa. Reservá-lo foi uma das primeiras coisas que fiz quando cheguei no IME (logo depois de fazer a carteirinha na biblioteca, é claro). Estava extremamente feliz por finalmente poder tê-lo.

Então pedi o livro à moça. Ela deu uma olhada nos livros que tinham chegado. Disse que este livro não chegou e que nem via sentido em ele ter chegado na semana santa. Eu disse-lhe que deveria ter chegado no dia 05. Ela duvidou. Eu insisti pra ela olhar na ficha. Ela olhou, riu (da minha cara) e disse que o livro estava com um professor.

“E daí?”, pensei. “Os professores devem ter um tempo maior de entrega, e só. Certo?”

Não. Errado. Perguntei à moça se o professor tinha atrasado a devolução e ela respondeu dizendo que os professores não só tem um prazo maior como não precisam devolver o livro no prazo. Ora, para quê o prazo então?

Controlei-me e perguntei então qual é o professor que estava com o livro. Provavelmente é alguém do grupo de otimização combinatória (talvez o meu orientador de iniciação científica), eu poderia falar com ele pra tirar cópias. A moça respondeu que não pode dizer.

Excelente então, fico sem livro e sem previsão de quando o professor vai devolver, sem nem saber se o livro ainda existe. Talvez eu nunca consiga o livro. Quem sabe?

Educadamente agradeci e fui pegar o circular para voltar pra casa. Há cinco dias estou morando a 160m da Entrada do Mercadinho (i.e., 700m do ponto de circular mais próximo dentro da Cidade Universitária).

Quando estava quase chegando ao ponto de ônibus, vi o circular passando. Droga, mais uns 15 minutos de espera. Para não ficar sem fazer nada, resolvi ir andando.

A USP é enorme e tenho a impressão que andar com o Network Flows (Ahuja, Magnanti, Orlin) na mochila aumenta consideravelmente o seu tamanho.

Há ao menos duas maneiras de ir andando do IME pra minha casa. A primeira é o menor caminho, passando pela Rua do Matão (que não tem esse nome em vão, de fato fica no meio de uma selva). A segunda é o maior caminho, mas é pela civilização. Optei pela segunda.

Após três quilômetros e uns 30 minutos, cheguei (cansado) aqui (e, é claro, no meio do caminho outro circular passou por mim). Uma hora decididamente inútil. Acho que foi o meu trote.

Ok, menos, também não foi tão ruim quanto o dele (crédito: FADB/Flickr)

Ao menos nunca mais me esquecerei que na USP não tem aula na Semana Santa.

© 2005–2020 Tiago Madeira