Vergonha

O disciplina é “Princípios de Desenvolvimento de Algoritmos” e ela está sendo ministrada neste semestre pelo Prof. Dr. Carlos Eduardo Ferreira, participante do grupo de otimização combinatória, diretor nacional da Maratona de Programação e orientador da minha iniciação científica.

A turma é do Bacharelado em Ciência da Computação no IME-USP.

Acabei de receber a seguinte mensagem de um dos monitores:

E-mail recebido no grupo da disciplina MAC122

Preciso dizer mais alguma coisa?

Movimento Estudantil

“Eu não tenho nada a ver com isso,
Nem sequer nasci em Niterói.
Não me chamo João
E não tenho não
Qualquer vocação pra ser herói.”

De repente eu entrei pra uma chapa do DCE. “Quê?” Isso mesmo. Entrei pra uma chapa que vai disputar o Diretório Central dos Estudantes da USP em 2010.

“Mas… por quê?”

Em 2007 eu estudava numa escola de Itajaí. Minha namorada da época e meu irmão entraram numa chapa pro grêmio estudantil. Vou fazer uma revelação bombástica: não votei neles.

O motivo é simples: não acreditava que o Salesiano precisasse de um grêmio estudantil, aquilo mais parecia uma eleição por popularidade e de fato a chapa que venceu não fez absolutamente nada. Na verdade, mais parecia uma história de Malhação (aquele programa da Rede Globo).

Como gostava do meu irmão e da minha namorada não queria isso pra eles (responsabilidades, pseudopopularidade, reuniões inúteis e a participação numa espécie de movimento estudantil sem razão de existir). Felizmente eles não venceram.

Mudei muito de lá pra cá e, embora continue tendo certeza que o Salesiano não precisa de um movimento estudantil, descobri que há lugares que precisam.

“Mas… problemas da USP? Não é a melhor universidade da América Latina?”

Há vários, mas eis alguns que me preocupam: bolsas baixíssimas, processo seletivo estúpido privilegia quem tem acesso a cursinhos (todos aqui devem saber que tenho sérios problemas com Fuvest e Ensino Médio), condições muito ruins de ensino em vários lugares, parcerias privadas (universidade trabalhando pra empresas e não pro conhecimento e pro país), além dos problemas específicos dos institutos.

Há um problema que sintetiza todos eles: falta de democracia. Em tudo. Desde o próprio DCE até o conselho universitário e a magnífica reitora. Maio desse ano nos mostrou isso e o segundo semestre talvez tenha sido pior.

Sofremos neste segundo semestre um processo que chamam erroneamente de eleição (eu chamo de escolha) do novo reitor da USP. O processo inteiro é ridículo, com pouquíssima participação da comunidade acadêmica (no segundo turno apenas 0,3% da USP participa, em maioria os professores titulares) e ainda há o estopim: o governador é que escolhe o reitor a partir de uma lista tríplice e neste ano José Serra fez algo que tinha sido feito pela última vez por Maluf em 1981 (plena ditadura): não escolheu o primeiro colocado. Ou seja, nem a escolha daqueles poucos professores titulares foi respeitada. O escolhido foi João Grandino Rodas, apontado como o cara da linha dura desde antes desse processo de escolha do novo reitor começar (esta foto é de junho).

Um pequeno grupo de estudantes não tem como mudar alguma coisa dentro da universidade (alguém me apresenta algum resultado positivo da greve desse ano?). Democratizar o movimento estudantil pra democratizar a universidade: esse é o lema.

“Mas… você?”

A epígrafe desse post é de autoria do poeta Vinícius de Moraes e aqui há uma explicação do motivo de eu citá-la.

A Universidade de São Paulo vive um momento difícil, como expliquei anteriormente, e isso me força a agir; não só por mim, mas por todos e principalmente pela ideia de universidade que eu acredito. Numa reunião da chapa eu disse a todos os presentes (e repito aqui) que eu prefiro muito estudar matemática a participar de uma assembleia geral dos estudantes (que, sim, são eventos chatos e entediantes), porém acho que nesse momento eu preciso participar. Democratizar o movimento estudantil só é possível se gente “normal” participar (e isso é um convite pra você participar também).

“Mas… movimento estudantil é solução? Não é coisa de hippies e comunistas?”

Quem me conhece sabe que gosto de resolver problemas de matemática e quero usar isso pra melhorar o mundo, não a política. De fato o movimento estudantil é cheio de política e de partidos (eu nem entendo direito isso, mas de vez em quando descubro que estou dialogando com duas pessoas de grupos políticos diferentes que não se gostam muito), porém tem muita gente boa e é nelas que eu aposto nesse momento, já que não tenho ideia melhor.

Não mudei tanto assim. Não tenho ambições políticas, não me filiei nem me filiarei a um partido político, não sou hippie nem comunista. Porém, comunistas não comem criancinhas (pelo contrário, possuem ideias fantásticas) e conversar com eles tem sido um grande prazer para mim.

Entrei numa chapa do DCE justamente pra tentar quebrar esse preconceito de “movimento estudantil é lugar de hippies e nós, que estudamos, passamos o dia no IME sem se aproximar da FFLCH”.

Eu estou tentando ser um contra-exemplo. Sou um acadêmico e, por ser acadêmico, não existo sem universidade. Por isso faço questão de defender a universidade em que eu acredito. Não se engane, nem seja preconceituoso: nesse movimento tem muita gente boa.

“Mas… por que a chapa Para transformar o tédio em melodia?”

Veja também: Manifesto da Chapa e Twitter (@tedioemmelodia)

Conheci esse pessoal (grande parte do curso de Ciências Sociais da FFLCH) numa passeata de milhares por democracia na USP do MASP até o Largo São Francisco. Vestiam amarelo e seu protesto era bem-humorado e cheio de canções. Me interessei pela camiseta amarela e na semana seguinte fui a uma reunião deles no prédio de Ciências Sociais pra conhecê-los melhor.

Desde o início me trataram muito bem, deixaram eu falar e deixaram claro que o seu objetivo era um movimento estudantil com a participação de todos. Esse diálogo aberto me motivou a conversar mais com eles.

Eu e o Francisco (da matemática pura do IME) conversamos com eles de vez em quando desde lá e de uma de nossas reuniões lembro de uma fala interessante de uma garota: “Eu queria que todos participassem da assembleia geral. Que votassem todos a favor da PM no campus, mas que participassem. Não me importaria se minha ideia não fosse a da maioria da USP e aceitaria a ideia deles, mas gostaria que eles participassem.”

Foi esse pensamento que me levou a participar da chapa, essa abertura. A USP vive problemas e há nessa chapa pessoas dispostas a discutir com todos e mudar a cara do movimento estudantil pra um movimento que realmente representa os estudantes.

Realmente não sei se vai dar certo, mas acho divertido correr o risco de errar e acho que vai ser uma grande experiência.

“E agora?”

Como disse, não nasci pra ser político e por isso não tenho necessidade de mentir pra conseguir votos (acho até um pouco burro, já que ser eleito pro DCE vai apenas me dar trabalho e já estou cheio de coisas pra fazer). De fato não sei se a minha chapa é a melhor nem sei se daqui a um ano não estarei pensando outra coisa. Porém, acredito nessas pessoas que a compõem e [talvez eu esteja sendo ingenuamente manipulado, mas] acredito que podemos construir um movimento melhor e que isso é importante pra USP.

Então o que quero pedir é: se você é uspiano, vote. Leia os outros manifestos e decida a que achar que melhor representa você. Dê importância pro movimento estudantil da USP e acredite que ele pode ser melhor. Participe mais. Se minha chapa ganhar essa votação, cobre a sua participação no processo. O DCE serve para os estudantes participarem, dividirem seus problemas e buscarem soluções juntos como uma forte entidade e não estudantes sozinhos. O DCE tem obrigação de representar você.

Nada seria melhor pra acabar o post do que citar, d’Os Saltimbancos, Todos Juntos:

“Uma gata o que é que tem?
As unhas.
E a galinha o que é que tem?
O bico.
Dito assim parece até ridículo um bichinho se assanhar.

E o jumento o que é que tem?
As patas.
E o cachorro o que é que tem?
Os dentes.
Ponha tudo junto e de repente vamos ver no que é que dá.

Junte um bico com dez unhas,
Quatro patas, trinta dentes
E o valente dos valentes ainda vai te respeitar.

Todos juntos somos fortes,
Somos flecha e somos arco.
Todos nós no mesmo barco,
Não há nada pra temer.”

Essa utopia serve pro IME, pra USP, pra esse estado e pra esse país (estou otimista hoje).

while (você não estiver convencido) {
	use a caixa de comentários pra tentar me desconvencer
}

Assembleia na FAU

Uma memória me surgiu de repente. Precisava escrever.

Era maio de 2009. Não lembro o dia.

Campus da Universidade de São Paulo.

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo.

Havia muito barulho e resolvi entrar.

Cerca de 400 estudantes em assembleia.

As pessoas falavam num microfone, mas era muito difícil ouvir.

Gente defendendo um lado e outro.

Recebendo aplausos, vaias.

Propostas, votações.

A maioria delas era sobre o diretor, Prof. Sawaya.

A que me lembro era para decidir se a FAU entraria ou não em greve.

Não houve contraste e os votos foram contados, um a um.

Não entrar em greve ganhou, mas isso não é importante.

O que marcou o dia, pra mim, foi um casal que estava bem a minha frente.

Ao ouvir que deveriam levantar as mãos os que eram a favor da greve, a garota olhou pro seu namorado, visivelmente triste.

E disse umas palavras que eu posso dizer, sem exagero, que mudaram minha vida:

“Eu não vejo a hora de terminar esse curso. Porém, não tenho coragem de votar contra a greve.”

E levantou as duas mãos.

Pra ela a universidade era mais importante do que ela.

A ponto de valer a pena defender a visão em que acreditava mesmo que isso significasse adiar sua formatura.

No IME só ouvi o pensamento inverso, gente preocupada apenas em terminar o seu curso e indiferente aos problemas de sua universidade.

Não há um dia lá em que eu não veja uma prova de que individualismo é a cara de São Paulo.

Porém, há esperança.

Meme: Símbolos fálicos contemporâneos

A Carol me convidou para participar do meme do Rev. Beraldo que tem por objetivo identificar alguns símbolos fálicos da atualidade.

De fato escolhi a primeira coisa que me veio a cabeça, sem pensar muito. E depois de um dia em que professores e estudantes entraram em greve na Universidade de São Paulo, a primeira coisa que me veio a cabeça foi a Torre do Relógio.

Torre do Relógio

A Torre do Relógio é um dos principais símbolos da grandiosidade da USP e fica no centro de um campo ao lado da reitoria.

Segundo o Gabinete do Reitor da Reitora,

O painel representando o mundo da fantasia tem a face voltada para o prédio da Antiga Reitoria, e sua face oposta, com o mundo da realidade, para o prédio da Reitoria nova.

O mundo da fantasia é assim representado: a Filosofia – Sofia (sabedoria), ladeada por seus amigos; Artes Plásticas – a Arquitetura, concebida como base para todas as artes plásticas; a Música (com a lira), a Dança, o Teatro (com a máscara); as Ciências Econômicas – estatística e oscilações; as Ciências Sociais – as forças agressoras emergindo do caos em contraposição à força protetora e, no centro, a criança; a Poesia – os namorados com a lua. O mundo da realidade apresenta a Matemática – Pitágoras (curvas de primeiro grau ou parábolas, curvas de segundo grau ou hipérboles e curva de grau superior). Como alusão ao futuro, a quadratura do circulo; as Ciências Geológicas – o arado primitivo – com o carvão esgotado, o petróleo escasso, a força nuclear será inevitável, mas pode também destruir a Terra, e os sobreviventes voltarão a usar o arado; a Física – três tipos de raio – solares, magnéticos e cósmicos; as Ciências Biológicas: pedras, folhas, animais; a Química – garrafas estilizadas; a Astronomia – a lua e as estrelas (Órion, Cruzeiro do Sul e outras). Detalhes

Hoje o topo da Torre do Relógio continha uma grande faixa “FORA PM”, mas não consegui achar uma foto em nenhum site de notícias. Uma pena. Então a foto clara dela fica mais pra mostrar o gramado ao lado:

Praça do Relógio (USP)

Sinto muito, mas não convidarei ninguém pro meme porque ando com medo de coisas que crescem exponencialmente.

Universidade de São Paulo de São Paulo

Eu gostaria de confirmar algo que percebia na USP. Após dois minutos de código…

for i in 1 2 3 4; do
    lynx -dump "http://www.fuvest.br/vest2009/chamada${i}/62389${i}09.stm" | grep '^[0-9]' | sed -e 's/ .*//' >> numb
done

numbers=`cat numb`
for i in $numbers; do
    lynx -dump "http://www.fuvest.br/scripts/chama.asp?valor=$i&x=0&y=0&anofuv=2009&cham=4&warn=undefined&last=S" > /tmp/rg
    nome=`cat /tmp/rg | grep 'Nome:' | sed -e 's/.*:[[:blank:]]*//g'`
    rg=`cat /tmp/rg | grep 'Identidade:' | sed -e 's/.*:[[:blank:]]*//g'`
    echo -e "$rgt$nome"
done

… a dura realidade:

Das 106 pessoas que foram convocadas para a matrícula no Bacharelado em Ciência da Computação do IME-USP, temos, por estado:

  • São Paulo: 100
  • Santa Catarina: 1 (eu)
  • Pernambuco: 1
  • Mato Grosso: 1
  • Bahia: 1
  • Minas Gerais: 1
  • Distrito Federal: 1

Mapa do Brasil (crédito: thejourney1972/flickr)

Estou ainda sendo bondoso ao assumir que as pessoas dos outros estados moravam realmente nos outros estados (a família já não havia se mudado para cá).

O que nos leva rapidamente a concluir o porquê de as redondezas da USP não terem tantos estudantes como deveriam (ou como o distrito de Barão Geraldo em Campinas ou as redondezas paradisíacas da UFSC em Floripa)

Além disso, são dados suficientes para eu entender por quê não havia nenhum bar frequentado por estudantes aqui perto passando São Paulo e Cruzeiro…

Enfim, os dados explicam muita coisa. Só não explicam por quê a FUVEST não faz provas nos outros estados… ou a USP gosta de só ter paulistas na graduação?

© 2005–2020 Tiago Madeira