Condenar quem fala a verdade a 35 anos de prisão: Yes, we can

Bradley Manning acaba de ser condenado a 35 anos de prisão. Motivo: denunciar crimes de guerra cometidos pelos EUA no Iraque. Quem o acusou foi o governo de Barack Obama, vencedor do prêmio nobel da paz de 2009, que em sua campanha prometia incentivar e proteger os whistleblowers (como são chamados, em inglês, os que delatam condutas ilegais ou desonestas que ocorrem numa organização).

Como escreveu o jornalista Glenn Greenwald no seu perfil no Twitter logo após a leitura da sentença, “os Estados Unidos nunca mais vão poder falar sobre o valor da transparência e da liberdade de imprensa sem provocarem ataques de risos mundiais”. De fato, a perseguição que esse país e seus aliados têm protagonizado contra aqueles que revelam as suas verdades torna claros os limites da falsa democracia que eles tanto propagandeiam.

O tratamento exemplar dado a Manning, preso aos 22 anos e mantido de forma ilegal durante 3 anos na prisão antes do julgamento — tempo no qual esteve sujeito a condições de tortura relatadas até mesmo pela ONU como cruéis e desumanas — não é em vão. O grande medo dos poderosos é que o lema do WikiLeaks, “a coragem é contagiosa”, ganhe força.

Segundo o filósofo esloveno Slavoj Žižek, “o que acontece com as revelações do WikiLeaks é que a vergonha, deles e nossas por tolerar tal poder sobre nós, torna-se mais vergonhosa ao ser publicada”. Dessa forma, os whistleblowers cumprem o papel crucial de manter a “razão pública” viva e, por isso, precisam ser apoiados.

A campanha em torno da liberdade de Manning sem dúvidas teve papel decisivo para que uma injustiça maior não fosse cometida. Foi uma vitória nossa que Bradley não tenha sido condenado por ajudar o inimigo, crime que poderia lhe imputar a prisão perpétua ou até a pena de morte. Com a sentença de 35 anos, ele pode ser solto em até 9 anos. Ainda assim, a condenação é absolutamente injusta e abre precedentes preocupantes para os tempos que vivemos e que ainda estão por vir.

A Anistia Internacional declarou que o presidente Obama deveria trocar a sentença pelo tempo que Bradley já serviu, permitindo que ele seja libertado imediatamente. “Ao invés de ‘enviar uma mensagem’ condenando-lhe a uma sentença de facto de vida, o governo dos EUA deveria se preocupar em investigar violações aos direitos humanos e direito humanitário no contexto da mal concebida ‘guerra ao terror’”, declarou Widney Brown. Da mesma forma, a Bradley Manning Support Network (Rede de Apoio a Bradley Manning) agora exige que o presidente Obama conceda indulto a Manning e lançou um abaixo-assinado online.

Nós também devemos seguir na campanha pela liberdade de Bradley, Assange, Snowden e em defesa do WikiLeaks. Suas ações questionam e enfrentam o imperialismo e a ordem estabelecida, incentivando milhões de outros indignados que têm tomado as ruas e as redes para exigir mudanças e democracia real. Somos todos Bradley Manning!

Publicado originalmente no Juntos.

Companheiro de jornalista do caso Snowden é interrogado por 9 horas

David Miranda e Glenn Greenwald no Rio de Janeiro.

O brasileiro David Miranda, companheiro de Glenn Greenwald, foi detido e interrogado por 9 horas sem direito a advogado numa escala no aeroporto de Heathrow (Londres). Ele estava retornando ao Rio de Janeiro de uma viagem a Berlim, onde havia passado a última semana com a cineasta americana Laura Poitras, que trabalhou nas reportagens sobre a NSA.

O motivo de sua detenção foi a lei anti-terrorista aprovada pelo Reino Unido em 2000. De acordo com um documento publicado pelo governo do Reino Unido sobre tal lei, “menos de 3 pessoas a cada 10000 são examinadas quando elas passam pela fronteira” (David não estava entrando no Reino Unido, mas apenas em trânsito para o Rio). Além disso, “a maioria das verificações, mais de 97%, dura menos de uma hora” e um apêndice do documento afirma ainda que apenas 0,06% das pessoas detidas são mantidas por mais de 6 horas.

Como ressalta a nota do Itamaraty, “trata-se de medida injustificável por envolver indivíduo contra quem não pesam quaisquer acusações que possam legitimar o uso de referida legislação”. Com efeito, o caso entra para a extensa lista dos abusos cometidos em nome da “caça ao terrorismo”, mesma lista onde se encontra a espionagem da NSA sobre os cidadãos de todo o planeta publicada por Glenn no The Guardian.

David Miranda foi questionado sobre as reportagens que Glenn Greenwald e Laira Poitras estão escrevendo sobre a NSA e a agência britânica homóloga, a GCHQ. Antes de ser liberado, os oficiais britânicos apreenderam vários de seus bens, incluindo laptop, celular, vários consoles de videogame, DVDs, pendrives e outros materiais. Não disseram quando devolverão, nem se devolverão.

A tentativa de intimidação não funcionou. Pelo contrário. Como Glenn Greenwald afirmou em texto publicado no The Guardian, “cada vez que os governos dos Estados Unidos e do Reino Unido mostram sua verdadeira face ao mundo — como quando eles não permitem que o avião do presidente da Bolívia voe para seu país, quando ameaçam jornalistas com processos, quando têm comportamento como os que tiveram hoje — o que eles fazem é sublinhar por quê é tão perigoso permitir que eles exerçam em segredo o poder da espionagem massiva”.

Publicado originalmente no Juntos.

Como ler documentos do Scribd

Depois de ouvir esse improviso do André Mehmari sobre Odeon e Choro pro Zé, fiquei com vontade de encontrar a partitura desse belo choro do Guinga. Porém, descobri que infelizmente é extremamente difícil encontrar o songbook “A música de Guinga”.

Procurando na rede, encontrei um torrent com um PDF com qualidade ruim e um documento do Scribd com qualidade boa. O problema é que o Scribd tem um paywall para não deixar as pessoas baixarem ou lerem os documentos que seus usuários colocam lá:

Paywall do Scribd.

Percebi que ele passa todas as imagens corretamente para o navegador e só no lado do cliente muda a opacidade das páginas para elas ficarem semitransparentes. Então escrevi um userscript bem simples (usando jQuery por comodidade) para o Greasemonkey (uma dessas extensões indispensáveis do Firefox) para recuperar a opacidade das páginas do texto e, se necessário, remover essa mensagem “You’re reading a free preview”.

// ==UserScript==
// @name Suppress Scribd Paywall
// @include http://*.scribd.com/doc/*
// @require http://code.jquery.com/jquery-2.0.3.min.js
// ==/UserScript==

(function ($) {
  $(document).ready(function () {
    window.setInterval(function () {
      $(".absimg").css("opacity", "1");
    }, 1000);
    $(".autogen_class_views_read_show_page_blur_promo").on("click", function (
      e
    ) {
      $(this).hide();
    });
  });
})(jQuery);

Para usar, é só instalar o Greasemonkey no Firefox e depois baixar o userscript scribd.user.js. Resultado:

Partitura da música Choro pro Zé no songbook do Guinga no Scribd.

Snowden recebe asilo temporário na Rússia e deixa aeroporto

Edward Snowden acaba de obter asilo temporário na Rússia por um ano. O ex-agente da inteligência americana saiu da zona de trânsito internacional do aeroporto de Moscou por volta das 8:30 no horário de Brasília acompanhado de Sarah Harrison, assessora do WikiLeaks. Ele estava lá desde o dia 23 de junho, quando chegou de Hong Kong.

Passaporte de Edward Snowden.

Snowden revelou ao mundo detalhes de programas de inteligência dos EUA que monitoram atividades de telefonia e internet. Por conta disso, passou a ser perseguido pelos americanos, que cancelaram seu passaporte. Venezuela, Bolívia e Nicarágua ofereceram-lhe asilo, mas ele não obteve salvo-conduto para sobrevoar os países necessários para chegar à América Latina.

O advogado de Snowden, Anatoly Kucherena, disse que o paradeiro de Snowden será mantido em segredo por razões de segurança. Segundo ele, o ex-agente vai falar com a imprensa, mas precisa de um dia para se adaptar.

O Juntos esteve na linha de frente da mobilização pela liberdade de Snowden no Brasil. Em três semanas de mobilização constante – 5/7 no Itamaraty, 14/7 na Assembleia Nacional do Juntos e 18/7 no #SnowdenDay – mostramos que Snowden não está só. Agora vencemos uma batalha. Mas a guerra continua. Seguiremos construindo uma agenda de mobilizações pelo país, ampliando a rede dos que lutam por Assange, Manning e Snowden e por liberdade na internet.

Publicado originalmente no Juntos.

Como ler notícias ilimitadas de Folha, Estadão e Globo sem cadastro

TL;DR: Instale o Adblock Plus em seu navegador, entre nas suas opções, peça para adicionar seu próprio filtro e adicione o filtro: *paywall*. Você agora deve ser capaz de ler notícias de Folha, Estadão e Globo sem cadastro. Caso tenha interesse em saber o caminho que levou a solução até aqui, continue lendo o post.


A mídia tradicional mudou a forma como publica na internet. A regra agora é que sem cadastro você só pode acessar um determinado número (pequeno) de notícias. O nome do sistema é paywall. Ao chegar no limite, você recebe mensagens como as seguintes:

Paywall da Folha de São Paulo

Paywall do Estado de São Paulo

Paywall do jornal O Globo

No caso da Folha, só o cadastro pago dá acesso ilimitado. Nos outros, aparentemente um cadastro gratuito é suficiente. De qualquer forma, por que dar seus dados para esses sites saberem quem você é, como navega e o que gosta de ler? Para quem esses sites vão dar essas informações?

Para além da preocupação com privacidade e anonimato, esse sistema funciona como um bloqueio para que as pessoas não possam ler e disseminar as notícias da internet. Torna a circulação de informações mais difícil e o espaço internético mais privado e menos democrático. Por isso, compartilho aqui um pouco sobre o funcionamento do paywall e algumas formas de contorná-lo.


Os sites não querem que buscadores tenham dificuldade de acessar e indexar seu conteúdo. Tampouco querem bloquear endereços de IP, já que a quantidade de pessoas que usa internet via NAT (compartilhando o mesmo endereço de IP com outras pessoas numa mesma rede) é enorme. Por isso, eles fazem todo o controle não no computador deles (servidor), mas no seu computador (cliente).

Para fazer isso, eles contam com a ajuda do seu navegador. Eles mandam a página sempre da mesma forma e o seu navegador é que faz o trabalho sujo. Roda um programa escrito em JavaScript para olhar pros dados que ele mesmo já tinha registrado anteriormente (os chamados cookies). Baseado nesses dados, redireciona você para outra página (no caso de Folha e Estadão, simplesmente coloca um fundo preto semi-transparente em cima do conteúdo do site).

Isso torna não só possível, como trivial contornar o bloqueio. Basta dizer para o seu navegador não registrar cookies, desativar a execução de JavaScript ou rodar outro programa para anular a ação do programa da grande mídia. Abaixo vou mostrar diversas formas de fazer isso usando o Mozilla Firefox, mas em outros navegadores há formas semelhantes de fazer o mesmo. Como sempre, a última forma é a que eu considero melhor.

Usar janela de navegação privada

A forma mais simples de acessar um conteúdo bloqueado é acessar a página numa janela de navegação privada. Para abrir tal janela, basta usar o atalho Ctrl+Shift+P no Firefox (ou Ctrl+Shift+N no Chromium). Como essa janela não vai usar os cookies que seu navegador tem registrado na janela principal, você vai conseguir acessar o conteúdo proibido normalmente (como se nunca tivesse acessado nenhuma notícia antes). Há pessoas que usam só o modo de navegação privada o tempo todo (uma opção razoável para evitar rastreamento).

Remover cookies individuais

No Firefox, você pode usar Editar → Preferências → Privacidade → Remover cookies individuais para remover cookies registrados no seu computador. Se você remover todos, vai sair automaticamente de todos os sites onde está logado. Como seu objetivo é contornar o paywall, você pode remover cookies somente dos sites que deseja acessar (no caso, procurar globo, folha e estadao na barra de busca da remoção de cookies).

Desativar JavaScript

É possível desativar a execução de programas enviados pelos sites que você acessa no Firefox desmarcando a caixa Permitir JavaScript no menu Editar → Preferências → Conteúdo do Firefox. Dessa forma, você vai perder muitas funcionalidades dos sites, mas navegar mais rápido e não ter que encarar paywall algum.

A extensão NoScript do Firefox torna mais fácil ativar/desativar scripts de determinados domínios.

Desativar CSS

Se você não se importar com leiaute e diagramação da página, Exibir → Estilos da página → Nenhum estilo vai fazer tudo ficar feio, mas o texto legível.

Usar extensão Web Developer

Instalar a extensão Web Developer no Firefox torna ainda mais simples remover cookies de um determinado domínio e desativar JavaScript ou CSS (aparece uma barra embaixo da barra de endereço com botões pra executar essas ações).

Remover lightbox

No caso de Folha e Estadão (que sobrepõe um fundo preto semi-transparente e uma lightbox na página ao invés de redirecionar você para outra página como faz o Globo), é possível fazer a lightbox desaparecer (sem mexer nos cookies ou no JavaScript) usando o modo de inspeção (Ctrl+Shift+I), selecionando os elementos que quer remover e adicionando o CSS display:none; neles. Por meio de um userscript do Greasemonkey seria possível automatizar isso.

Forma definitiva (minha preferida): filtros no Adblock Plus

Adblock Plus é uma extensão do Firefox extremamente eficiente para bloquear publicidades e scripts não desejados. Os seguintes filtros bloqueiam os scripts de paywall de Folha, Estadão e O Globo:

||paywall.estadao.com.br^
||estadao.com.br/paywall/*
||www1.folha.uol.com.br/folha/furniture/paywall/*
||static.folha.com.br/paywall/*
||oglobo.globo.com/servicos/inc/payWall.Conteudo.js
||oglobo.globo.com/plataforma/js/*/minificados/paywall/registraConteudosLidos.js

(Depois de escrever, fiquei pensando que talvez seja razoável bloquear simplesmente paywall de uma vez.)

Para usar, basta ter instalado o Adblock Plus, copiar essas regras (todas juntas) e colá-las em Ferramentas → Adblock Plus → Preferências de filtros → Filtros personalizados.

© 2005–2020 Tiago Madeira